Raimundo Cela | 2000
Apresentação
Obras definitivas como: A venda do peixe, um verdadeiro estudo sociológico da sociedade brasileira à época. A presença do chefe da família, sua mulher em segundo plano, sua empregada no plano mais importante e toda uma festa de personagens ligados à atividade produtiva da pesca, com a delicadeza de mostrar ao fundo a silhueta do Corcovado, vista da praia denominada Canto do Rio, em Niterói, obra de
1947, período em que morou naquela cidade; Jangadeiro com leme, um olhar quase infantil do homem destemido, o verdadeiro herói nordestino. Sobre estes heróis, comenta o poeta Otacílio de Azevedo em texto especial para a Revista Contemporânea, em 1944: “É o humílimo Jangadeiro de encontro às intempéries da sorte e sobre um mar traiçoeiro e indomável. É o jangadeiro afoito e destemido, em face dos vendavais e fazendo parede aos maiores obstáculos, dentro apenas de uma minúscula casca de noz, a que chamamos jangada; Labirinteira do Ceará, uma tela extremamente expressiva, mostrando mais uma vez a habilidade manual do povo humilde do Ceará, produzindo suas riquezas artesanais, ao fundo 0 histórico Farol do Mucuripe; suas cenas de jangadas já bastante tradicionais e as figuras tão características de sua produção nos anos 20 remetam as pinturas a óleo. Sobre o artista e a sua obra cito novamente Otacílio de Azevedo: “Para dizermos algo sobre a beleza de seus quadros, não precisamos destacar este ou aquele, pois que em todos eles vibram a mesma harmonia de cores, pureza de desenho, espontaneidade e acabamento perfeito”.
A coleção selecionada de aquarelas : figuras, marinhas e paisagens completa o panorama desta exposição, e, cabe destacar mais um comentário do poeta Otacílio de Azevedo: “Cabeça de velho, em aquarela, é o seu melhor trabalho, a sua obra-prima, talvez. A doçura que transparece em todo o rosto oxidado do preto velho-pai João é humana e profundamente impressionante”. Suas pinturas sobre papel demonstram mais uma vez a extrema habilidade com a técnica do desenho e a impossibilidade de errar o que é impossível de corrigir.
A opinião de Francisco Acquarone em Mestres da Pintura no Brasil: “Raimundo Cela, como nenhum outro talvez, pode ser crismado como artista do povo. Sua arte não traz a preocupação de exibir virtuosismos perfunctórios pelo contrario, apresenta uma técnica larga e vigorosas de piceladas audaciosas e espatuladas gordas, através dos quais o observador sente a alma dos pintores espanhóis, opulenta de cores e de exterioridades violentas”.
Finalmente, cabe ressaltar um agradecimento especial à família do deputado Francisco José Studart, recentemente falecido, pelo elevado espírito público, o que permitiu a realização desta mostra, cujo núcleo principal procede de sua coleção pessoal, e, fez-se a sua vontade, o retorno das suas pinturas para o Ceará; à família do artista, hoje reduzida a uma filha, uma nora e dois netos, todos morando em Manaus; ao Dr. José Newton Lopes de Freitas, o maior incentivador e patrono desta exposição; ao pintor Nilo Firmesa, o Estrigas, que deu-me um depoimento decisivo, a seus ensinamentos e publicações, cuja pesquisa é de dar inveja aos ditos especialistas. Ao lado de sua mulher, Nice, criou o mini-museu Firmesa, que, na minha opinião, é parada obrigatória de qualquer visitante ou pesquisador que queira saber um pouco da história artística do Ceará. Sinto profundamente que o progresso esteja prestes a acabar com um local inesquecível, onde tudo deveria ser respeitado como um conjunto. O terreno de areia clara e varrida, a casa, com o conforto simples, porém funcional, as árvores frutíferas, a sombra agradável, o clima invejável, a simpatia do casal inigualável. E ao Grupo Edson Queiroz, que sempre apoiou as minhas iniciativas, possibilitando aos visitantes um catálogo digno, fonte permanente de consulta a centena de estudantes que sempre visitam as nossas exposições.
No próximo ano, a Pinakotheke Cultural, em parceria com a Multiarte, planeja a realização em São Paulo e Rio de Janeiro de uma exposição retrospectiva do artista e a publicação de um livro à altura de sua importância para a arte brasileira.